março 05, 2005

O FOGO E A ÁGUA

Água salgada sai de meu corpo compulsivamente, sinto-me drenado de energias, vazio e incapacitado. Algo foi perdido, algo ressinto e me arrependo de não ter feito qualquer coisa a respeito.O funeral está ocorrendo, flores são levadas e desconhecidos passam pela frente do caixão a olhar aquilo que jaz em seu interior. Está frio, pálido, engravatado, engomado, bem penteado e maquilado. Parece feliz, seus olhos fechados, escondendo o brilho que antes deles brotava. Os curtos cabelos bem arrumados, ao redor pequenas margaridas e cravos brancos. A água agora não parece parar, parece jorrar de meu corpo. As mãos dele postas cruzadas sobre seu peito, contrastando com o negro do terno está o branco de sua pele. Seu peito antes esquálido agora morto, seu corpo antes firme e forte, agora triste, fino, inerte.Lembranças de momentos felizes estão a povoar minha mente. O dia em que ríamos constantemente sem ter motivo algum para tal atitude. Ríamos apenas por estarmos juntos, ríamos pela forma como o vento batia em nossos cabelos, pelo brilho das estrelas e pelo cheiros que sentíamos de local em local pelos quais passávamos. Descidas e subidas, ruas a perder de vista, humanos a nos seguir, humanos a vir contra nós. Éramos um, em corpos separados, mas agora não somos mais, uma parte morreu, metade deixou de existir fisicamente. Lágrimas agora saem por meus olhos como jamais saíram antes. Soluços começam a acontecer.Um beijo ocorreu, num belo dia chuvoso, andávamos rapidamente, com as mãos dadas pelas ruas desertas de uma pequena cidade. As gotas a nos cobrir e o beijo ocorreu. Um misto de emoção, prazer, medo e acalento invade meu ser, aquele simples gesto selou algo que não poderia ocorrer, algo que jamais daria certo. Mas o beijo durou, invadiu alma e mente. Lágrimas misturavam-se com a chuva, o beijar aquecia o corpo, espantava o medo, a segurança vinha, tornava forte o fraco, valente o covarde, destemido o pensador. Destino traçado, desgraça a vir, as tecelãs não tiveram piedade dos jovens e logo a doença começou a matar aquele que mais vivera. Definhava a cada dia, em cama de hospital, em cama de casa, em cadeiras de rodas. A vida lhe cobrava o preço que ele escolhera pagar. Mas fora rápido, não fora sutil. Estava morto antes de aceitar a morte. A dor da perda de algo que talvez nunca tive foi maior do que ganhar aquilo que jamais poderia ter. Mas agora está na hora de dizer adeus, um adeus doloroso e curto. As chamas logo irão consumir o que um dia fora quase meu. O QUASE é que me mata, é o que acaba comigo, o motivo de não ser feliz, de não ser o que deveria ser. Um "Eu te Amo" foi sufocado por várias vezes, afogado em mares de dúvidas e incertezas. Agora de nada adianta dizer que o amo, ele está morto, sendo consumido pelas chamas, elevando o corpo doente a um estado de cinzas.
A morte nos separou, uma vez que a vida não permitiu nossa união. Eu não pertenci a ele e nem ele a mim. O medo acabou por dominar e nos distanciar. Agora apenas cinzas irão sobrar e as lágrimas que irão cair sobre as mesmas não irão traze-lo de volta. Aquilo que não fora dito, agora não poderá ser dito jamais. Minha pena será carregar este grito em meu ser, sem jamais poder pronunciar àquele que mereceu receber inicialmente esta declaração.Greenwish Meridian Times - GMT